O distanciamento melancólico do livro Bula para uma vida inadequada 

Texto escrito por Jessica Allana Grossi

Audiodescrição por Thamyres Gomes dos Santos

Imagens por Jessica Allana Grossi 

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Uma vez, em uma aula, meu professor disse que para sabermos o que é novo na literatura, inevitavelmente devemos saber o que é antigo. Para ler qualquer obra devemos ter um pré-conhecimento, chamado de Vorwissen por Roman Jakobson, um famoso linguista e teórico da comunicação. Infelizmente, todo o meu conhecimento prévio me atrapalhou na leitura de Bula para uma vida inadequada, o livro de crônicas do carioca Yuri Al’Hanati que mora em Curitiba há sabe se lá quanto tempo. 

Saber que ele era carioca, antes mesmo de começar a ler o livro, já me pregou uma peça enorme. Fiquei pensando como uma pessoa que não nasceu em um estado consegue descrevê-lo tão bem. Depois, fiquei pensando que o segredo estava no distanciamento que Yuri promove ao longo de todas as crônicas. Não somos transportados para agentes de ações, somos sempre passivos, observadores e foi estranho para mim, principalmente no começo, ler como uma observadora de uma cidade que eu conheci diversas vezes em viagens, até porque nunca morei em Curitiba. 

Mas ao longo do livro de crônicas percebemos que esse distanciamento promovido pelo autor é um posicionamento da sua vida que é presente tanto nos cenários do Rio de Janeiro quanto nos cenários do Paraná. Em diversas crônicas, por exemplo, nem temos como saber qual região ele está descrevendo. 

“A solidão é um vício dos mais intensos. O que a princípio parece angustiante – o silêncio diante do universo e a falta de afeto – logo se torna sinônimo de uma tranquilidade jamais antes experimentada. Quando atingimos a solidão plena, vivemos uma antecipação da calma pós-morte: a inexistência de problemas externos, as desobrigações da vida em sociedade e a necessidade de contato humano.” Página 95, crônica O vício de ficar sozinho. 

Outro aspecto bem interessante é que as crônicas de Yuri Al’Hanati estão cheias de referências musicais, desde instrumentos como o baixo e o violino, gêneros musicais como o punk e até músicos famosos e não tão famosos assim (alguns eu não conhecia). As referências à música ajudam a compor um cenário bucólico de alguém que com certeza trabalha das 9h às 18h em um banco e sempre observa a vida de longe. Fora uma ou outra surpresa ao longo das crônicas, elas parecem ser o retrato da maioria de nós. Pessoas que trabalham muito em empregos que não gostamos, longe das cidades em que nascemos, onde tudo na infância parecia mais encantador, e com poucos amigos. 

Esse livro de crônicas, embora ainda caia em alguns clichês de cronistas (eu mesma já caí em vários), têm diversas crônicas do tipo “preciso escrever sobre isso imediatamente, neste momento, se não o insight passará” que são belas surpresas afetivas em uma cidade tão inóspita quanto os habitantes de Curitiba. 

Ficha técnica

Título: Bula para uma vida inadequada 

Autor(a): Yuri Al’Hanati 

Editora: Dublinense

Ano de publicação: 2019 

Páginas: 160 

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